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domingo, 29 de março de 2015

[Sermão] Modéstia: Padre Luis Fernando Pasquotto


Sermão da Festa da Conversão de São Paulo e III Domingo depois da Epifania

"As vestes do corpo, o riso dos dentes e o modo de andar de um homem fazem-no conhecer". (Eclesiástes 19, 27)

"É evidente que nosso modo de vestir constitui um elemento do nosso comportamento e que, portanto, deve estar sob o governo da modéstia. Que princípios, então, iluminam o modo como devemos nos vestir? Ou, colocando a questão de modo mais atual: a moda, tal como ela é atualmente, é compatível com os princípios católicos? Ela é aceitável sem ressalvas?

Primeiramente, Santo Tomás explica que toda ação feita por um ser é consequência do que ele é. Canários não relincham, e cavalos não voam, simplesmente porque agem de acordo com o que são. Os animais agem instintivamente, e por isso não se colocam a opção de agir diferentemente. Mas nós, dotados de livre-arbítrio, podemos escolher como nos comportamos e, para isso, devemos saber qual é a boa escolha. Como o modo com que nos vestimos é um modo de nos manifestarmos aos outros, então deve ser feito de acordo com o que somos, enós somos animais racionais.

A animalidade constitui o que somos, mas não esgota tudo o que somos. Não somos simplesmente animais, e mais nada. Temos algo em nosso ser que nos diferencia essencialmente de qualquer outro animal, que estabelece um abismo entre eles e nós: inteligência. Por isso, uma roupa que dá mais peso à animalidade do homem do que a sua racionalidade está em desacordo manifesto com aquilo que ela deve mostrar aos outros: o que somos, essencialmente diferentes dos animais por nossa racionalidade. O uso de roupas que exaltam a animalidade no homem em detrimento de sua racionalidade habitua os membros da sociedade a olhar para os outros, e cada um para si mesmo, dando mais atenção à animalidade e aos sentidos do que à racionalidade. O resultado é que a estima pela inteligência, seu cultivo e seu uso, diminuirá. A vida de estudo, por pequena que seja, exige sempre algum grau de sacrifício: de tempo, de dinheiro, de prazeres que renunciamos, um domínio sobre si mesmo para poder ficar sentado e recolhido, longe às vezes de conversas e de eventos, etc. Se a sensibilidade é vista com mais estima do que a inteligência, logicamente as pessoas não farão sacrifícios para cultivar a formação intelectual, pois não estarão dispostas a sacrificar os prazeres sensíveis aos quais estão apegados. Por isso se vê, historicamente, que quanto mais um povo cobria o corpo, melhor era a vida intelectual que tinham, mostrando que é um dos fatores que influencia a vida intelectual de um povo. Os índios no Brasil e muitas tribos africanas não usavam roupas, e não tinham grande cultura intelectual. Os gregos, romanos, chineses e japoneses, por outro lado, cobriam-se bem mais e tinham muito mais cultura e erudição.

Quando uma sociedade valoriza a inteligência e não a animalidade, adotará naturalmente roupas que cobrem o corpo de modo geral, deixando visíveis a cabeça com o rosto, e as mãos. A cabeça, porque se valoriza a racionalidade. O rosto, porque é por ele que falamos e ouvimos, para nutrirmos e manifestarmos nossa vida intelectual, e indicamos nossos afetos pelo sorriso, pelas lágrimas, pelo choro, pelos movimentos dos olhos e sobrancelhas, manifestando melhor o que pensamos. As mãos, porque é por elas que colocamos em prática o que aprendemos com a inteligência. O que o homem pode fazer com as mãos é fabuloso, por causa da inteligência que as dirige: tocar violino, esculpir um altar, rezar missa, reger um coral, escrever poesias, costurar, etc. Assim, uma burqa, por exemplo, por não considerar estes princípios, fere a dignidade de quem é obrigado a usá-la, sendo um modo de dizer que não se está interessado no que ela pensa ou faz.

Como a vida de oração depende de uma inteligência bem formada e de um recolhimento dos sentidos e dos sentimentos, em uma sociedade que se veste de modo sensual a oração será algo deixado de lado. E, como o grau de oração que temos está relacionado com o grau de caridade que temos (conforme diz S. Pio X em uma carta ao Superior Geral dos Carmelitas em 7 de março de 1914), a caridade das pessoas diminui. Diminui a caridade também porque cria ocasiões de pecados contra a pureza, levando a muitos pecados graves. Por isso, uma moda que valoriza a animalidade do homem e não sua racionalidade é baseada em princípios condenáveis e não pode ser vista como boa. Por isso a Igreja, em vários documentos, ensina que:

1) As vestes devem cobrir tudo o que está entre os joelhos e os ombros, incluindo joelhos e ombros, e em qualquer posição (de pé, sentado, ajoelhado). As vestes devem, portanto, possuir mangas e devem ser sem decotes.

2) As vestes não devem ser transparentes nem em tom de pele. Deve-se tomar cuidado com a luz do sol.

3) As vestes não devem ser apertadas ou coladas ao corpo, o que pode acontecer mesmo com as saias.

Essas regras se aplicam a homens e mulheres, mas, sobretudo, às mulheres, dada a maior fraqueza do homem nesse ponto. É preceito do Apóstolo São Paulo: "Do mesmo modo orem também as mulheres em traje honesto, ataviando-se com modéstia e sobriedade […] como convém a mulheres que fazem profissão de piedade" (1Tim. II, 9 e 10).

Essas são as regras mínimas.

Ainda hoje no Vaticano é proibida a entrada de pessoas que estejam com joelhos ou ombros descobertos. Não há diferença essencial entre a Basílica de São Pedro e a mais singela Igreja: o mesmo respeito é, portanto, devido.

As mulheres evitem, sobretudo na Igreja, roupas mais convenientes ao sexo masculino (calças). Usem saias e vestidos: também isso é parte da modéstia. Essas regras se aplicam em todo lugar, e com mais razão, portanto, na Igreja.

Resumindo: cubram-se os joelhos em qualquer posição, cubram-se os ombros, cubra-se tudo o que se encontra entre os dois. As mulheres usem saias e vestidos.

Muitas mulheres e moças, por uma inclinação natural, tendem a achar que certos modos de se vestir só ressaltam a própria beleza. Elas devem saber que, ainda que talvez o façam sem malícia, certos modos de se vestir constituem verdadeiras ocasiões de pecado grave para o próximo. Como ninguém é bom juiz de si mesmo e facilmente vemos nossos atos com maior benevolência do que seria bom, elas devem receber com docilidade estas regras dadas pela Igreja, o que mostram grande sabedoria fazendo isso.

Até aqui, algo sobre como nossa roupa deve mostrar o que somos essencialmente.

Em segundo lugar a roupa deve mostrar o que nós somos acidentalmente, levando em conta nosso gênero, nossa dignidade específica, a posição que temos na sociedade, as qualidades que temos, etc. Santo Tomás, ao tratar da virtude da veracidade, explica que para falarmos a verdade também empregamos gestos (Suma Teológica II-II, q. 109, a. 1, ad 3), e que nossos gestos devem estar conformes à realidade que exprimem (idem, a. 2). Nossas roupas são uma espécie de gesto pelo qual mostramos algo de nós aos outros e, por causa da virtude da veracidade, nossas roupas devem se conformar ao que somos individualmente. Isso mostra um governo da inteligência sobre nossas roupas, pois nossa inteligência estabelecerá uma conformidade, uma proporção e uma harmonia entre nossa roupa e o que somos.

Em uma sociedade que valoriza a virtude da veracidade haverá roupas que seguem cortes adequados aos homens e cortes adequados às mulheres, às atividades exercidas pelos homens e às atividades exercidas pelas mulheres. No século XX iniciou-se uma diminuição dessa distinção e chegou-se a uma quase abolição dela, sobretudo quando, a partir da II Guerra, as mulheres começaram a trabalhar nas indústrias. A verdade é que a natureza é imutável e as saias e vestidos permanecem mais conformes às mulheres e às atividades que lhes cabem primeiramente na sociedade. O uso de calças pelas mulheres sem dúvida colaborou para uma grande mudança de mentalidade nas pessoas, para pior, favorecendo o feminismo.

A virtude da veracidade fará também com que cada pessoa use uma roupa que manifeste a classe social a qual pertence. Uma sociedade igualitária e que não é guiada pela veracidade abolirá os uniformes para os alunos e professores, a batina para os padres, as diferentes roupas dos patrões e operários, as roupas próprias das autoridades políticas. Eles não mostram o que são e falta veracidade. Isso não vai sem consequências, lógico. Os policiais têm dificuldades de distinguir hoje entre um estudante, um trabalhador e um delinquente, sobretudo porque praticamente todos se vestem do mesmo modo igualitariamente relaxado, em praticamente todos os lugares. Os fiéis muitas vezes ficam confusos não conseguindo distinguir os padres dos outros fiéis e a noção mesma do sacerdócio, da função sacerdotal e da diferença entre os leigos e o clero sofre grande prejuízo com isso. Muitos fiéis se afastam da confissão, porque vêem os padres não mais como separados, mas com um modo de vida tão próximo a deles que ficam com vergonha de se confessar.

Em todos os povos as roupas também mostravam as diferenças entre as pessoas e suas classes sociais nos detalhes, e não somente no corte. No Peru, as diferenças de bordados e de chapéus indicavam as diferentes regiões de origem de cada um. Os símbolos presentes nos trajes tradicionais japoneses, por exemplo, estão repletos de significado que aludem a certas estações do ano, histórias e locais famosos, festividades, cerimônias, literatura, status, atributos pessoais e desejos. E aqui, mesmo não sendo católicos, eles mostravam que compreendiam muito bem que para observar a modéstia devemos levar em conta três coisas: a nossa dignidade específica, as pessoas que estão a nossa volta, o lugar em que nos encontramos.

Como, em uma sociedade bem ordenada, as características de uma roupa mostram características de sua cultura, ligadas a sua história, seus valores, sua religião, quando uma sociedade é estável as roupas tendem a ser estáveis, ainda que mudem em detalhes. A moda atual, por outro lado, é essencialmente mutável. A cada estação um novo estilo surge, sem fundamentação na realidade de um povo. Ela é aplicada a todos os povos, sem distinção, de modo igualitário, sem respeito pelo bem que uma cultura possa ter, de modo impositivo. Nenhuma explicação é dada do porquê uma cor está na moda agora e não outra; do porquê saias longas agora estão na moda e não calças jeans boca-de-sino. Essas três características da moda atual, mudança constante, irracionalidade e imposição sem justificativas, dão um golpe de machado nas virtudes da modéstia e da veracidade, porque não consideram adequadamente nem a nossa dignidade específica, nem as pessoas que estão a nossa volta, nem o lugar em que nos encontramos.

Um outro problema da moda, quanto à mudança de mentalidade que ela produziu nas pessoas, é que o modo de se vestir não é visto mais como um gesto específico que mostra o que se é. A mentalidade das pessoas agora é diametralmente oposta. É vestindo-se de um modo determinado pelo capricho individual e que busca ser original que cada um constrói a sua personalidade e o que ele é. Para a filosofia tomista, o servem antes de como ele se manifesta aos outros. Para a mentalidade moderna, é manifestando-se de um modo único que o indivíduo passa a ser algo.

Uma consequência disso será uma super-valorização do indivíduo sobre a sociedade. O desejo de ser único fará com que o orgulho de cada um cresça muito e compromete a virtude da humildade. Em segundo lugar, fará com que as pessoas percam a noção de que elas fazem parte de uma sociedade. Se elas usassem trajes comuns à uma cultura com princípios comuns, então elas veriam com muito mais facilidade que pertencem a uma sociedade e que os membros individuais devem agir em conjunto para o bem comum. Se cada um determina seu estilo por critérios arbitrários decididos individualmente, perde-se estas noções e o bem comum da sociedade é lesado. A sociedade passa a ser vista como um agregado de indivíduos sem uma clara relação comum uns com os outros. O bem comum será visto como a soma de bens individuais, o que é falso. Daí, por exemplo, o esforço por buscar leis que satisfaçam todos os direitos (na verdade, todos os caprichos possíveis) de cada pessoa ou grupo existente. Isso tudo compromete também a virtude da justiça, que governa as relação dos membros de uma sociedade.

Até onde a moda exprime principios modernos e ajuda a difundi-los! Um católico não pode aderir a ela sem restrições e críticas, sob pena de aceitar princípios inconciliáveis com a doutrina católica ou com verdades naturais, e de deixar ser deformado pouco a pouco por eles. Se um certo estilo estiver na moda, e for moralmente correto, é lógico que pode ser usado, mas não mostra ter bons princípios quem o faz justamente e unicamente porque está na moda. Além disso, um ato é tão mais livre e perfeito quanto mais inteligência se usa para fazê-lo. A moda, por sua arbitrariedade e estilo imposto, diminui a liberdade das pessoas, que se resignam a usar somente o que lhe ofereceram sem dar justificativas.

A arbitrariedade da moda acostuma as pessoas a agir sem senso crítico sobre o que lhes é oferecido. A constante mudança de estilo habitua as pessoas a pensar que qualquer mudança é sempre boa, por ser uma mudança. Não é por acaso que uma sociedade receptiva à moda tenha defendido que se mudasse o rito antigo e venerável da missa, que tem mais de 1500 anos de existência e cujas partes centrais remontam aos Apóstolos; ou defenda que a Igreja deve se adaptar às mudanças do mundo moderno simplesmente porque mudar é considerado sempre bom.

Foi mudando lentamente a mentalidade dos católicos pelas músicas e pela moda, por exemplo, que chegamos à situação de grave confusão das consciências em que nos encontramos hoje, onde aqueles que são estimados como os melhores católicos aceitam coisas evidentemente intoleráveis e incompatíveis com a doutrina e a moral católicas. E no próximo sermão, mantendo-nos na virtude da modéstia, veremos isso um pouco mais claramente, quando falarmos das piscinas e praias".

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.
Escrito por Padre Luiz Fernando Pasquotto em Segunda Janeiro 26, 2015.
Tirado do link:  Sermão da Festa da Conversão de São Paulo e III Domingo depois da Epifania "As vestes do corpo, o riso dos dentes e o modo de andar de um homem fazem-no conhecer". (Eclesiastes 19, 27) - Grifos nossos.

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"Eu quero que todos vocês meus queridos filhos espirituais, combatam com o exemplo, e sem respeito humano uma santa batalha contra a moda indecente. Deus estará com vocês e irá salvá-los." São Pe. Pio de Pietrelcina

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